Para marcar o Dia Internacional da Mulher, a Caritas Arquidiocesana de São Paulo (CASP) realizou, em parceria com a OIM (Organização Internacional para as Migrações) e a Caritas Diocesana de Guarulhos, o evento Enfrentando a Violência contra as Mulheres, no qual foram abordados temas importantes como direitos e saúde da mulher.
O simpósio aconteceu na sexta-feira (8/3), na sede da Caritas Diocesana de Guarulhos, e contou com as participações de mulheres refugiadas do Afeganistão acolhidas em diversos abrigos da região, além de representantes de entidades parceiras da CASP.
Para quebrar o gelo entre as participantes, o simpósio começou com uma dinâmica em que elas tiveram a chance de expressar um sonho. Algumas disseram: “Liberdade para as mulheres de meu país!”.
Depois, elas participaram de uma aula de ginástica com a professora de educação física Aline, cujo propósito era demonstrar a importância da saúde física. Na sequência, assistiram a palestras sobre direitos e saúde, acompanharam os depoimentos de duas mulheres afegãs e, ao final, se confraternizaram com um delicioso café da tarde.
O Afeganistão está sob o regime do grupo fundamentalista Talibã, desde 2021, quando ele retomou o poder depois que as tropas norte-americanas se retiraram do país, onde estavam desde 2001.
O grupo é conhecido por restringir a liberdade das mulheres, incluindo as de poderem trabalhar e estudar.
“Foi um dia muito impactante para elas por poderem, pela primeira vez, estar em um país onde há uma luta pelo direito da mulher em curso e onde o Dia Internacional da Mulher marca essa luta. Elas se sentiram ouvidas e respeitadas com suas oportunidades de fala e puderam expor as dores de todas as afegãs”, disse a assistente social e coordenadora da Casa de Acolhida “Todos Irmãos”, em Guarulhos, Vanessa Pimenta.
A Casa de Acolhida é coordenada pela CASP em parceria com o ACNUR (Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados), Caritas Diocesana de Guarulhos e Prefeitura de Guarulhos, desde agosto de 2022. O local é destinado à acolhida temporária da população afegã.
A confraternização contou com as participações de representantes da CASP, da OIM, da Caritas Diocesana de Guarulhos, da Prefeitura de Guarulhos, da Casa de Acolhida “Todos Irmãos”, dos abrigos Terra Nova II (Asbrad – Associação Brasileira de Defesa da Mulher), Povos Fraternos (Batuira) e Cemeando.
A Cruz Vermelha de São Paulo doou kits de higiene que foram distribuídos às participantes.
Minha história
Três mulheres afegãs aproveitaram a oportunidade para falar sobre o que é ser mulher no Afeganistão e como se sentiam por estarem ali. Abaixo, você pode ler os depoimentos emocionantes das três:
FRISHTA HASANI, 26 anos
“Permita-me, em primeiro lugar, parabenizar e felicitar você e todas as mulheres do mundo pelo Dia Internacional da Solidariedade Feminina, que estamos comemorando. Neste dia, reconhecemos a luta das mulheres em muitos países do terceiro mundo, onde elas não desfrutam de seus direitos humanos e são tratadas como cidadãs de segunda classe. Venho de um país onde as mulheres enfrentam a maior segregação de gênero. As mulheres e meninas do meu país, o Afeganistão, estão privadas dos direitos humanos mais básicos, como educação e trabalho. Centenas de mulheres são enviadas para a prisão pelos talibãs sob o pretexto de não estarem adequadamente cobertas ou por se manifestarem contra essas injustiças. Como uma mulher que escapou do inferno do Afeganistão, compartilho um fragmento da minha vida, que é um exemplo da vida de milhares de mulheres afegãs e sua situação precária.
Sou Frishta Hassani, e minha família vivia em Gohargan, na província de Baghlan. Tínhamos uma vida confortável e tranquila. Meu pai era um líder e chefe da aldeia, e ele sempre lutava contra as injustiças e abusos infligidos ao nosso povo. No entanto, há alguns anos, os talibãs assumiram o controle de nossa aldeia. Meu pai foi brutalmente assassinado pelos talibãs em 4 de outubro de 2017, na frente de todos os membros da nossa família, por buscar justiça e resistir à opressão. No dia seguinte, levamos o corpo dele para Pul-e Khumri, a capital da província de Balkh, e nunca pudemos voltar para nossa casa na aldeia.
Devido à falta de um provedor, me casei com Turab para ser o sustento de nossa família. Após a queda da República em agosto de 2021, minha família e eu retornamos à aldeia com a esperança de que os talibãs não nos incomodassem novamente. Infelizmente, eles voltaram na noite de sexta-feira, 27 de janeiro de 2022, e levaram Turab com eles. No dia seguinte, entregaram-nos o corpo dele sem vida e dilacerado. O colapso do sistema no Afeganistão foi o colapso de minha família e o destino de milhares de mulheres e homens.
Estou lutando para sobreviver até agora, deixando fragmentos de meu corpo do Afeganistão para o Irã e Turquia. Gostaria de expressar minha sincera gratidão ao país amigo Brasil e ao seu povo generoso que me concedeu um visto humanitário, abrindo uma nova vida para mim e para centenas de pessoas que compartilharam meu destino. Peço à comunidade internacional e às Nações Unidas que não abandonem o povo do Afeganistão, especialmente as mulheres.
Agradeço a vocês e compartilho o sofrimento de meu destino doloroso com três versos de poesia nesta reunião deste salão:
‘Não há desejo que eu possa expressar em palavras, sobre o que devo cantar?
Eu sou odiado pelo tempo, o que devo cantar ou não cantar?
O que devo dizer sobre o mel, que é veneno para mim?
Ai daquela mão opressora que bateu em minha boca.
Eu não sou a frágil folha que treme com cada vento.Sou uma filha afegã e permaneço em lamento constante’”.
SHAZIA RAHIMI, 21 ANOS
“Sou Shazia Rahimi, uma garota afegã. Tenho 21 anos, me refugiei no Brasil com minha família há um mês. Sou uma menina que não tem direito de estudar no meu país, que é o Afeganistão.
Todas as mulheres vivem atualmente no Afeganistão são privadas dos seus direitos e não podem sequer sair de lá.
Meu pai era um engenheiro militar do governo. Ele foi atacado pelo Talibã e perdeu uma perna. Testemunhamos vários outros crimes dos talibãs contra as mulheres.
Eu sei que as mulheres afegãs têm o coração cheio de dor.
Mas, como menina afegã, quero desejar um feliz Dia da Mulher não só às mulheres do Afeganistão, mas a todas as mulheres.
Agradeço ao Brasil pelo visto humanitário.
Como podemos perceber, o povo brasileiro é muito gentil e hospitaleiro.
Agradecimentos especiais a você por criar mais estudos no Brasil para nós, afegãos.
Quero continuar meus estudos – não importa se serei engenheira, médica, advogada ou jornalista.
O Afeganistão é meu país, o Brasil é minha casa.
Muito obrigado pela sua atenção!Parabéns novamente pelo Dia da Mulher!”
KUBRA AFSHAR, 30 ANOS*
“Estou no Brasil há um ano e seis meses. Vim com meu marido e meus dois filhos [uma menina e um menino].
Vivemos em Guarulhos. Meu marido trabalha em uma organização, mas eu quero trabalhar, mas não consigo, pois preciso cuidar das crianças.
Antes de sair do Afeganistão, eu sonhava em ser uma dentista, mas não foi possível.
Tenho o sonho de ajudar as mulheres afegãs que não podem ler nem escrever. Muitas delas chegam aqui e não conseguem aprender português porque não sabem a escrever e ler na língua materna. Por isso tenho me dedicado muito a aprender português.
Há muitas diferenças culturais entre o Brasil e o Afeganistão. Lá no Afeganistão, as mulheres não podem sair sozinhas – a situação delas não é boa lá.
Aqui, eu tenho bastante liberdade, mas fui roubada duas vezes – na rua e no metrô. Tive a minha bolsa roubada.
Quero muito liberdade para as mulheres no Afeganistão.
Tenho quatro irmãos e quatro irmãs. Um de meus irmãos tem sete filhas adolescentes. Ele ficou tentando ter filhos homens, mas não conseguiu. Fico pensando nas minhas sobrinhas. Elas não vão poder estudar nem trabalhar – vão ter que se casar.
Ter menino no Afeganistão é muito importante.
Eu não uso hijab [véu na cabeça] aqui, mas no Afeganistão nenhuma mulher pode sair de casa sem ele.
Eu deixei de usar quando cheguei ao Brasil como forma de respeitar a cultura de seu país. Também me tornei evangélica aqui. Vou à igreja com minha família todos os sábados – é uma longa história sobre como me tornei evangélica.
A grande dificuldade aqui no Brasil é que é difícil viver só com o salário de um. No Afeganistão, o salário era bom. Aqui, um só trabalhando não é suficiente. Por isso eu tentei muito aprender português”.
*Depoimento dado à Assessoria de Comunicação da CASP